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terça-feira, 11 de outubro de 2011

Estatuto da Diversidade Sexual será pauta de votação no Congresso

Para especialista, a única forma de os direitos dos homossexuais serem respeitados é através da desconstrução do preconceito


No dia 23 de agosto a Frente Parlamentar Mista da Diversidade Sexual, formada por deputados e senadores entregou ao presidente do senado, José Sarney, o projeto de lei para criar o Estatuto da Diversidade Sexual que deverá ser encaminhado ao Congresso Nacional por meio de uma proposta de iniciativa popular. Além do Estatuto também foi apresentada uma proposta de emenda à Constituição (PEC), que prevê mudanças no texto constitucional com a intenção de inserir a proibição da discriminação por orientação sexual, estabelecendo que união estável e casamento independem da orientação sexual. Além disso, pretende modificar a licença-maternidade para licença-natalidade. A licença deixaria de ser de quatro meses para a mulher e cinco dias para o homem, passando para 180 dias para o casal, sendo 15 dias para ambos. Para falar um pouco do Estatuto e de outras questões envolvendo os homossexuais, conversamos com o advogado Flávio Fahur especialista em direito de família, homoafetivo e sucessões.

OEstadoRJ: A Lei Afonso Arinos, de 1951, representou o início do combate ao racismo no Brasil. 60 anos depois vemos que o racismo ainda existe. Você acha que com o Estatuto da Diversidade Sexual os homossexuais serão mais respeitados?

Flávio Fahur: A Lei Afonso Arinos foi a primeira legislação brasileira a iniciar o combate ao racismo. O Estatuto da Diversidade Sexual será também um marco histórico na luta pelos direitos da população LGBT. O referido Estatuto é um verdadeiro microssistema com definição clara de normas afirmativas, objetivando, assim, assegurar maior visibilidade, segurança jurídica e pessoal e dignidade plena a quem é alvo de preconceito. Importante frisar que, o Estatuto da Diversidade Sexual visa a promover a inclusão de todos, combater a discriminação e a intolerância por orientação sexual ou identidade de gênero e criminalizar a homofobia, de modo a garantir a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos individuais, coletivos e difusos, traz também princípios fundamentais e normas de natureza civil, penal, previdenciária, trabalhista, entre outras, norteando as políticas públicas de inclusão. As leis garantem a imposição do respeito, mas este deve nascer dentro de cada um de nós. Ressalto que a OAB/RJ criou a Comissão de Direito Homoafetivo – CDHO, que está trabalhando incansavelmente na divulgação do Estatuto da Diversidade Sexual, a qual tive a honra em ser convidado a participar.

OEstadoRJ: Em SP já existem algumas delegacias especializadas em crimes no combate a crimes de homofobia, entretanto vemos quase semanalmente algum tipo de agressão contra homossexuais. Qual é o real objetivo dessas delegacias? Como elas ajudam as vítimas? Há previsão para a abertura de uma no Rio de Janeiro?

F. F: O objetivo é oferecer à população LGBT um atendimento especializado, com policiais bem treinados e capacitados para trabalhar com as diversas formas de violência que surgem pela covardia dos crimes de homofobia. A ajuda vem primeiramente de um atendimento inclusivo às vítimas da violência sofrida, seja física ou verbal, com o registro, investigação, abertura de inquérito policial e adoção de medidas e procedimentos policiais que forem necessários à resolução dos casos apresentados pelas vítimas. A ALERJ promulgou, desde 25/03/2011, a Lei nº5931/2011 que dispõe sobre a criação da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância – DECRADI, que tem a finalidade de combater todos os crimes praticados contra pessoas, entidades ou patrimônios públicos ou privados, motivados pelo preconceito ou a intolerância, no Estado do Rio de Janeiro.

OEstadoRJ: Muitas pessoas associam a homossexualidade a algo promíscuo, desviante e, até mesmo sujo. Como desconstruir a imagem desfavorável do homossexual disseminada na sociedade?

F. F: O preconceito e a ignorância são uma das “doenças” mais perversas que a humanidade sofre. A promiscuidade independe da orientação sexual, e sim da mentalidade do ser humano que a faz. Quanto à questão de ser errado ou sujo, não há como fugir de uma discussão perniciosa travada há séculos entre a religião e a sexualidade. O filósofo Michel Foucault alertou para um fato perigosíssimo, qual seja, a partir do século XIII, cria-se “a confissão dos pecados realizada pelos fieis”, dando à Igreja o controle não apenas dos atos e omissões, mas sobretudo a dominação dos pensamentos humanos. Outros mecanismos parecidos ou até mais perigosamente “eficazes” são realizados por outros segmentos religiosos, como forma de dominação mental. Os dogmas religiosos não podem ter o condão de discriminar um ser humano, aliás, tenho firme convicção que Jesus Cristo foi o mais tolerante e acolhedor de todos os tempos, as religiões deveriam realmente seguir seus ensinamentos reais e não os distorcer por pura conveniência, seja ela qual for. Em se tratando de políticas públicas, o Judiciário e o Executivo já deram grandes passos no tema homoafetividade, todavia, existe omissão do Legislativo em seguir este caminho, devemos ficar atentos para os parlamentares que usam a Religião para negar Direitos, isto é um grave e grande equívoco. Com isto, a única forma de desconstruir esta cruel e perversa versão equivocada, é a informação do direito constitucional à livre orientação sexual, que é um direito da personalidade, intransmissível e irrenunciável.

OEstadoRJ: Você diz que a chave de tudo é a educação. Ela deve começar ainda na infância?

F. F: A chave para se abrir qualquer porta para ter acesso à felicidade plena é a educação e o respeito à diversidade do ser humano. Sempre ouvimos que os pais querem o melhor para seus filhos. Estes pais que estão plantando e construindo o preconceito e o ódio à diversidade do ser humano na mente de seus filhos, certamente estarão fazendo um nítido desserviço, esquivando pelas ações e omissões de apresentar aos seus filhos, valores fortes e reais, condizente com a sociedade atual, viva e não com o mundo defasado e fantasiado. Por tudo isto, a releitura de valores sociais são importantíssimos desde infância.

OEstadoRJ: Você é a favor do Projeto do Ministério da Educação de distribuir, aos estudantes da rede pública de ensino, uma cartilha abordando o tema da diversidade sexual?

F. F: Com certeza. A discussão sobre a temática das questões sobre diversidade sexual elaborada através de contextos escolares-educacionais, seria um grande avanço para garantir a informação segura e responsável aos estudantes da rede pública, dando visibilidade para as novas relações, para os laços sociais e para as novas configurações familiares existentes na contemporaneidade.

OEstadoRJ: O Estatuto não beneficia apenas os homossexuais. Uma das medidas mais interessantes é a implementação da licença natalidade. Fale um pouco sobre ela.

F. F: O Estatuto da Diversidade Sexual prevê direitos não somente à população LGBT, mas também aos heterossexuais, pois independe de orientação sexual, muito atual com o conceito de entidade familiar responsável contemporânea. Especificamente em relação à inovação do conceito de licença-natalidade, a sugestão prevista no Estatuto é que os 15 primeiros dias após o nascimento, adoção ou concessão da guarda para fins de adoção, sejam usufruídos pelo casal. O período de 180 dias subseqüente será gozado por qualquer deles, de forma não cumulada, reiterando, seja o casal homoafetivo ou heteroafetivo.

OEstadoRJ: A união entre pessoas do mesmo sexo representa um fato social cada vez mais constante em todo o mundo. Como fica essa questão pelo Estatuto?


F. F: Como mencionado, o Estatuto da Diversidade Sexual é um verdadeiro microssistema, assim como o Código de Defesa e Proteção ao Consumidor, o Estatuto da Criança e Adolescente, Estatuto do Idoso. Como tal, o Estatuto da Diversidade Sexual propõe alteração em mais de 132 dispositivos legais, contidos em 19 legislações infraconstitucionais a serem alteradas. Certamente há previsão de mudança legal significativa em vários ramos do Direito. Por exemplo, o casamento e adoção por pessoas do mesmo sexo (Direito de Família), herança (Direito das Sucessões), crimes motivados por discriminação ou preconceito de gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero – Homofobia (Direito Penal), dentre outros.

OEstadoRJ: Para terminar. Uma frase ou pensamento.

F.F: A desconstrução do preconceito vem com a construção da informação.

http://flaviofahur.jur.adv.br/

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