Em decisão
publicada na segunda-feira, dia 22, no Diário da Justiça, o corregedor-geral da
Justiça, desembargador Miguel Monico Neto, reconheceu como legal o casamento
civil entre duas mulheres, moradoras da comarca de Porto
Velho.
O processo,
originado no 2º Ofício de Registro Civil e Notas da capital, já
teve uma decisão em primeiro grau, indeferindo o pedido de habilitação de
casamento com o argumento de não haver embasamento legal. Porém, essa decisão
foi agora reformada, sendo o processo entendido não como apelação, mas como
dúvida, pela corregedoria.
"Trata-se de procedimento
administrativo exarado no âmbito correicional que pode ser revisto pela
corregedoria no aprimoramento das atividades desenvolvidas pelos serviços
extrajudiciais", atestou o corregedor na decisão. A corregedoria é a responsável
pela fiscalização das atividades em todos os cartórios do
estado.
O
desembargador ressaltou ainda que o parecer do juiz auxiliar da corregedoria,
Rinaldo Forti, reforçou a necessidade de reformar a sentença inicial, pois "as
manifestações do Poder Judiciário" "devem ser técnico-jurídicas, não empíricas
ou religiosas".
No parecer,
o juiz auxiliar cita vários julgados, inclusive do Supremo Tribunal Federal, que
atestam ser ilegal vedar o casamento entre pessoas do mesmo sexo. "Se é verdade
que o casamento é a forma pela qual o Estado melhor protege a família, não há de
ser negada essa via a nenhuma família que por ela optar, independentemente de
orientação sexual dos partícipes, pois todos os seres humanos gozam da mesma
dignidade, princípio básico do artigo 1º, inciso III, da Constituição
Federal/88, assim podendo planejar livremente sua entidade familiar na forma do
artigo 226, parágrafo 7º, da Constituição Federal/88",
demonstrou.
Evocando
juristas especialistas em ética, o corregedor-geral destacou ainda o combate ao
preconceito de qualquer natureza e a promoção do respeito à dignidade humana,
por isso determinou o processamento da habilitação do casamento de
Quele Cristina Paes Mota e Audenilda Rodrigues dos Santos, sem que a identidade
dos sexos seja impedimento para a realização do ato.
Repercussão
A decisão
teve repercussão imediata no movimento gay de Rondônia. A própria presidente da
instituição, Niedina Gontijo, acompanhada da tesoureira, Diana Cox, estiveram no
Tribunal de Justiça de Rondônia nesta terça-feira para entregar ao corregedor
um documento em agradecimento pela "firmeza na
defesa da plenitude da cidadania".
As
representantes do grupo gay ressaltaram mais essa conquista, que consideram
relevante para a garantia dos direitos LGBT. "Vossa Excelência exerceu com
inteligência e sabedoria o seu trabalho, o de interpretar, proteger e fazer
aplicar a Constituição, demonstrando que a ausência de lei não significa a
ausência de direitos".
O
desembargador Miguel Monico lembrou que a obrigação do julgador é resguardar "os
direitos fundamentais do cidadão, sem distinção de sexo, raça, cor, religião ou
orientação sexual".
Por
telefone, uma das beneficiadas com a decisão, Quele Cristina, contou que já não
acreditava mais na vitória, porém, quando assistiu a uma palestra do juiz
auxiliar Rinaldo Forti sobre o tema, passou a ficar mais
confiante.
Palestra
Em recente
palestra promovida pela corregedoria-geral da Justiça aos cartorários de todo o
estado, o tema "União Estável e Casamento entre pessoas do mesmo sexo" foi
destaque. Ministrada pelo mesmo juiz auxiliar, trouxe à tona o debate sobre a
questão.
O
magistrado começou a palestra demonstrando que a legislação, apesar de
estabelecer o casamento entre homem e mulher, também garante tratamento
igualitário a todos os cidadãos, sem distinção de sexo. A constituição inclui
nesse mesmo artigo o combate ao preconceito por motivos religiosos, fator que,
segundo Forti, provoca a maior reação com relação ao casamento entre pessoas do
mesmo sexo.
Um dos
argumentos, o casamento para fins de procriação, foi rebatido pelo juiz,
alegando que esse pensamento foi superado há décadas. "Alguém já cogitou anular
ou indeferir a habilitação de casamento de pessoas que se unem na terceira
idade?", questionou.
Outro
equívoco apontado pelo magistrado é a evocação da moralidade, que podem ter
valores diferentes, dependendo da situação social e época. "Negro de braço dado
com uma branca em público, ou propósito casamento entre ambos, constituía crime
em alguns estados americanos até bem pouco tempo",
exemplificou.
Para
finalizar, citanto jurisprudências, Rinaldo Forti resumiu: "Gostando ou não, os
nossos semelhantes deverão receber do Estado idêntico tratamento e de cada um de
nós o mais absoluto respeito, pois só assim construiremos a sociedade justa,
livre e solidária, ansiada no artigo 3º da Constituição
Federal".
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